15/07/2009

Revival

Por: Rafaella Barreto, Cléo Araújo, Joana Araújo (mãe de Cléo).




Trocaram olhares no xerox do DA.
Alfredo afixando um pôster para divulgação da “XXIII Festa dos Veteranos – Turma de 2008”.
Ella copiando uma apostila de Direito Civil I.
Alfredo - embora estivesse afixando um pôster para divulgação da “XXIII Festa dos Veteranos – Turma de 2008” - de camisa polo, sério, estilo futuro advogado
Ella de maquiagem leve, usando um vestido longo de frio e uma sandália baixa, estilo garotinha que quer dar ar de mais velha na faculdade.
Estudavam na mesma faculdade, mas em anos diferentes. Ella no primeiro, Alfredo no último.
Alfredo já tinha aulas de Direito Internacional.
Ella fazia DP de Teoria Geral do Estado.
Ella andava de ônibus. Alfredo de Fiat Zerinho.
Pois trocaram olhares no xerox.
E depois na cantina.
E depois no boteco da frente da faculdade, quando se cruzaram na porta do banheiro. Que era unissex.
Aí, um amigo falou dela pra ele daqui. Uma amiga falou dele pra ela de cá.
Já se sabiam então. Fácil assim. Mais fácil do que colar na prova de Direito do Trabalho.
Para se quererem, não precisavam de mais nada.
Era só esperar o dia da chopada.
É que além do chopp, a chopada tinha também um show do The Fray cover. E foi ali, no meio da galera, que eles conversaram e riram um pouco das piadas um do outro. E foi no refrão de “Trust Me” que ele colocou um Trident de menta na boca. E que eles se beijaram pela primeira vez.
Aí resolveram que iam se beijar também no dia seguinte ao da chopada.
E no dia seguinte ao dia seguinte.
E naquela semana todinha.
E na outra.
Aí ela começou a se afastar dos amigos.
E ele começou a carregar sua “menina” para as festas do último ano.
Não se desgrudavam um segundo sequer e enforcavam todas as aulas que existiam.
Mas foi depois da “XXIII Festa dos Veteranos – Turma de 2008”, da qual saíram quando o sol já ameaçava nascer, que acabaram dormindo juntos. Foi na república de umas amigas dela. Verdade que já era quase dia, verdade que a noite tinha sido longa, verdade que eles tinham ouvido todos os CD's que havia na república e tomaram alguns refrigerantantes, ambos não bebiam, verdade que queriam dormir... Mas “Dormir? Pra quê? Deixa para dormir depois que a gente se formar e quando, aí sim, a gente não tiver mais nada o que fazer dessa vida!”
E foi ali que ficaram até meio dia, ele de cueca e ela no seu terno parecido com de advogado, ouvindo “Radiohead” comendo bombom de uma caixa de especialidades da Nestlé, pensando nos nomes que colocariam nos seus filhos, sem se desgrudar um segundo sequer e, como de hábito, enforcando todas as aulas que existiam.
Dois bimestres, duas provas de Processo Penal, um exame e dois recursos para pedido de abono de faltas depois, já não estavam mais juntos.
Ella voltou para a sua turma de amigas, que continuou sendo certinha com os horários e curtindo um livrinho de vez em quando.
Alfredo começou a estudar para o exame da OAB.
Trocaram olhares cinco anos depois num escritório chique na Avenida Faria Lima.
Ella dentro de uma sala de reunião envidraçada.
Alfredo na sua mesa, do lado de lá do vidro, fingindo ler uma publicação.
Ele não tinha certeza se ela era Ella.
Ela tinha certeza absoluta de que ele era Alfredo.
Pois trocaram olhares.
E depois?
Voltaram para casa. Cada um para sua.
Mil coisas na cabeça.
Ele colocou um CD do The Fray para tocar. Abaixou o volume das luzes, pegou um pedaço de pizza congelado, um refrigerante e deitou no sofá. Queria curtir o som no escuro. Queria desafinar no repeat junto com Isaac Slade. “Everyone knows I'm in
over my head, over my head”. Queria curtir a lembrança de tudo que tinha acontecido lá atrás. Ficou nostálgico. Foi dormir sentindo saudades daqueles tempos que não voltam mais.
Ela colocou um CD do “Radiohead”. Jogou a pastinha longe, tirou o casaco pesado mais que lhe dava um ar de mais velha e tirou a maquiagem. Esquentou um sanduíche no microondas, tomou uma soda e comeu uma caixa inteira de Especialidades da Nestlé. Chorou no repeat junto com Thom Yorke. “For minutes there, I lost my self... I lost myself...”. Sentiu um vazio. Um oco por todas as coisas que poderiam ter sido. Ficou triste. Foi dormir se sentindo só, pois como se fosse a única capaz de sentir saudades de tempos que nunca vieram. A única capaz de sentir saudades pelos tempos que jamais virão.