24/06/2009

Aquele dia na Marginal.


Hoje passou aquela música na rádio, que hà tempos não passava, e me lembrou daquele dia em que estávamos voltando da feirinha que tinha no bairro toda quinta-feira, no carro, cruzando a Marginal. Eu segurava uma latinha de coca-cola já quase vazia e um bolo para levar ao meu pai, cuidadosa como eu era/sou. Eu tinha acabado de sair de uma dieta terrível por causa do acidente, havia perdido uns 10 kilos pra mais. Você, como sempre, a mãe conservadora que eu sempre quis ter, gostava de fazer minhas vontades, e uma delas era me levar na feirinha do bairro toda quinta. Eu amava comer aquelas tortas que lá faziam, e depois, quem sabe, um bombom da tia da quinta Avenida. Então, neste dia eu estava muito feliz por estar ali com você ao meu lado, com a latinha de coca na mão e com o corpo que sempre almejei e invejo-me até hoje por tê-lo tido. No rádio tocava uma música alegre e que me lembra o quanto gosto de às vezes sair pela noite de carro simplismente para ver as luzes da cidade. De tão deslumbrada, nunca esqueci daquela noite na marginal, com aquela música na rádio.
Hoje senti tua falta, um pouquinho. Um pouquinho daqueles que você quer suspirar porque sabe que um dia foi tão feliz, mais tão feliz, que tudo acabou e não há nada que possa ser feito. Você foi a mãe que eu sempre quis ter, apesar de amar a minha. Você foi quem me ensinou a quantidade de água certa para se colocar no arroz, a fazer um cóque no cabelo por causa do Colégio Militar, e até mesmo a arrumar meu guarda-roupa. Nunca vou esquecer da mãe que você um dia se tornou para mim. Eu queria muito poder te abraçar e lhe agradecer por aquele dia na Marginal, por aqueles dias todos outros. Você é a mulher que eu quero ser quando crescer. Mas o que dói é saber que hoje tudo isso se desfez, todos os sonhos, todas as luzinhas coloridas na Marginal, todos os sorrisos efêmeros e as conversas excitadas. E assim como a música na rádio começou, ela acabou. Com a mesma intensidade de uma flor, parada em meio a uma estranha cinza e deserta, em que todos passam e não percebem a presença daquela coisinha delicada no meio do caminho. E à sós.

Não chora, te amo

Na hora certa meu celular toca, leio a mensagem e me sinto um pouco aliviado e meio desnorteado, tendo sempre respostas quase que imediatas, parecendo ser um bom sinal. São telefonemas de durações exageradas e brincadeiras casuais do tipo: “desliga, vai. Não, você primeiro. Ah, desliga você.” E momentos proibidos em tardes estressantes que só se aliviavam debaixo de uma árvore, só pra matar a saudade. E nessa madrugada, voltando pra casa, ouvindo o bêbado e a equilibrista, eu pude me lembrar de quando ela nem sabia meu nome e nem eu o dela. Quando minha paixão era apenas rastro de um encanto súbito da primeira vez. Percebi que não precisei de telescópio para mapear constelações em galáxias anos luz longe de mim pra encontrá-la, sem querer olhei pro céu e ela caiu aqui. Aqui bem na minha frente, sem precisar de mais horas melancólicas no meu quarto escuro que me faz dormir, só pra esquecer coisas do dia-a-dia, sem ela. Não sei se era anjo ou qualquer sinal de que a gravidade ainda existe. Só sei que o universo nunca mais me pareceu tão distante, ela me trouxe um pouco de céu. E eu devo mesmo estar no paraíso.

23/06/2009

Mais ou menos acéfalos

Tem gente que sabe fingir que tem. Tem que sabe fingir que sabe. Tem gente que sabe fingir que é gente. É gente que se engana com tanta gana. Tanta futilidade em liquidação e a prazo, só não se vê o bom senso à vista. Mas, o que sobra no bolso falta na cabeça. Falta idéia, conhecimento e até parafuso. Tudo tem que ser o melhor, então se compra uma barriga nova e um nariz mais fino e arrebitado, pra combinar com a pose, que vêm na prateleira com ticket de preço. Além das modas semanais e descartáveis que desperdiçam milhões de um mercado negro de consumistas frenéticos(as). Que, aliás, consomem apenas o pouco que os restam na cabeça. E agora, eu pergunto: Tem gente que morre de fome? Esse povo que é gente de verdade. Onde sua maior propriedade é o seu vácuo estomacal, diferente do vácuo moral daqueles, já citados. Essa gente é que tem a experiência do viver além do que não se tem. De sentir fome de ser mais, não de ter mais. E será que eles têm? Será que eles sabem? Será que eles são?

17/06/2009

Gostinho bom de passado


Minha primeira memória de mim mesma é a de um abrigo de plush vermelho, que tinha um palhaço bordado na frente - mas dizem que antes disso eu comi um ovo de lagartixa achando que era uma amêndoa confeitada. Chovia muito na minha primeira noite trajando o abrigo de plush vermelho. E minha irmã nascia na Santa Casa de Misericórdia. Eu aguardava em casa, com minhas tias-avós, à luz de velas e comendo algo muito mais bacana do que ovinhos de lagartixa: chocolates em formato de moedinha. Eu tinha quatro anos, mas sabia muito bem que dali a algumas horas chegaria um bebê em casa. E eu já tinha um nome para ela: 'Jenny'.
Desde que me lembro de mim, sempre adorei festas de aniversário, embora no início eu me comportasse de maneira estranha: sempre vomitava às vésperas das festinhas! Às vezes, minutos antes do primeiro convidado chegar. Depois os ataques de ansiedade nervosa passaram (e um dia pode ser que todo esse conteúdo não vomitado se transforme em uma úlcera ou sei lá), e eu só chorava mesmo quando minha mãe atrasava para me apanhar na escola. Mas as festas eu aprendi a curtir. Meus pais preparavam-nas com intuito quase cenográfico. Só foi ruim quando o Brasil perdeu a copa jogando muuuito mal por sinal e a festa ficou mó zicada. Tinha como esporte predileto ensaiar cestas na boca do palhaço, eu já gostava de basquete essa época e era meu primeiro ano no GET ( ao todo, tem 11 anos que faço, acredita?) Era uma veia Broadway-Hollywoodiana que se manifestava desde a tenra infância e para onde eu canalizava todo meu talento de coreógrafa-basquete.
Tinha vergonha de tirar qualquer nota que não fosse 9,5 ou 10,0 quando estudava no colégio militar, mas depois no 1° ano essa vergonha se transformou em vontade de enforcar aulas e ponto. E foi assim que eu segui durante alguns anos: brincando com a Panasonic da minha mãe e dirigindo espetáculos rodados na garagem ou no jardim da minha casa, comendo sonho de valsa e goiabada com requeijão, tentando ganhar uns dois quilos porque eu era muito magra na época e jogando basquete como se fosse uma estrela em um campeonato.
Aí eu mudei pra Gyn em 2007, até hoje não sei bem por que, mas achava que essa informação poderia ser útil aqui. Morei dois meses em Nova Iorque, aos 5 anos, o que era bom porque eu já podia comprar meus próprios doces de Halloween. Mas de tudo, o que mais me marcou foi aquela vomitada que meu colega de van deu sobre o meu pé em nosso trajeto JFK-Big Apple (percebi neste momento que essa história de vômitos vem permeando minha vida). Depois de ser recebida em Nova Iorque por esse welcome exorcista, descobri, mesmo assim, que curtia viajar. E esse tem sido, depois de escrever, um hobby que tenho levado muito sério.
Hoje estudo das 07:00am às 20:00pm de segunda a sexta, e acho que tenho talentos em mim que são subaproveitados - todos eles envolvendo contas, redações e fórmulas. Sou viciada em Google, vinho tinto, muzzarela Quatá e biscoito de polvilho. Tenho amigas de infância que preservo até hoje, mesmo que elas estejam longe de mim geograficamente. Sou preguiçosa para quase tudo, menos para guiar na estrada, cozinhar e jogar basquete. Ainda tenho muita coisa pra aprender dentro de mim, mas ainda não sei se quero me casar. Começo a achar que tenho vontade de ter bebês, mas acredito que eles possam vir na forma de sobrinhos e/ou afilhados. Adoro dançar jazz quando estou um pouco bêbada, adoro fingir que estou um pouco bêbada só para poder dançar jazz.
Um dia, quero construir uma casinha no sítio da minha mãe, onde eu possa ter cachorros e passar os finais de semana prolongados cultivando hortas de manjericão. Em outro dia, quero ir morar em Londres. De vez em quando, gosto de falar inflamadamente sobre política, economia e religião. Mas geralmente, quero mesmo é assistir uma comédia romântica no sábado à noite e me acabar dentro de uma vasilha de pipoca. Ah, e eu queria ter vivido na idade média, em Veneza. Ah, e não tenho mais qualquer tipo de problemas para ganhar peso.

14/06/2009

Relatos sobre um suicida

Todo mundo sabe que a única certeza dessa vida é nada mais nada menos que o oposto dela. Não só o oposto da vida, mas o da certeza. Nem se imagina o que há depois da morte, apenas se crê numa vida após ela. O único problema é que não se sabe e nem se decide quando nos tornamos adubo. Há quem adie e quem antecipe. Tipo aquelas pessoas que se matam de dentro pra fora, com veneno amarelo, gelado e bem espumante, mas também os que tomam o último cálice da vida e pronto, já era. Cada um é dono do seu próprio destino, temos a liberdade de fazer o que quisermos, nos jogarmos de cima de um prédio ou na frente de um carro, por exemplo. Eu aprendi que ninguém faz isso por causa da tão falada moral, sempre acompanhada da sua parceira ética. Mas, será mesmo? Porque se isso fosse levado em conta sempre, não haveria nada além do normal cotidiano. Por esse fato, acho que a moral não é o fator crucial para que alguém não enfie uma faca perpendicular ao pulso. Até matar alguém exige menos moral do que se matar. Mas, ao matar não se sente a dor e a sensação de quem está morrendo, diferente de matar a si próprio, onde o remetente e destinatário da morte são um só. Dor. Essa sim é a palavra certa, esse é o bloqueio do autoassassino. Quem não quer mais viver acha fácil se despedir desse mundo, mas, o difícil é o que se sente quando bater com o corpo a vários quilômetros por hora no chão, ou a faca cega que não rasga a pele com tanta firmeza fazer jorrar a vida. Esse sim é o medo, o sofrer pesa mais que o partir. A vontade vem quando não se tem saída, quando se quer dormir e acordar século que vem ou nos momentos de lágrimas contínuas causadas pelo sofrimento motivado pela ausência de qualquer necessidade essencial ao ser humano, tipo a felicidade. Suicídio é igual tatuagem: tem gente que quer fazer, mas tem medo da dor. E ao se fazer aquela marca, fica pra sempre, assim como a morte.Mesmo com tantas colocações sobre o polêmico assunto, eu apenas indago minha posição sobre o decidir quando partir. Tenho meus princípios e os prezo, cultivo a vida e a preservo, e esse é meu único dom.

11/06/2009

O cinza de tudo


Eu quis chorar e disfarcei olhando para as pessoas fazendo caminhada do outro lado da rua, com os olhos imóveis. Tudo parecia mais cinza com aquela luz branca baixa. Muitas pessoas na rua aquela hora. E mesmo assim eu só conseguia ver você com aquela blusa azul que eu tanto te acho lindo nela. Um precipício. Tudo mais uma vez desconhecido.
Eu quero correr o tempo de volta. Virar a ampulheta e te encontrar. Novo começo. Quando, ainda, a história não havia encoberto o meu sorriso em nuvens de tristeza. Que momento esse seria, se naquele dia que nos conhecemos, mesmo gentil em nosso primeiro encontro, já existia um cinza estranho projetado no meu olhar?
Eu não sei, são tantos e todos os eventos na vida do ser humano. Tantas peças, nunca soube juntá-las. Nem sequer as minhas. Vide essa cinza, sempre lá e cá, nunca colorido. Nada que pinto. Um vestido, uma sandália e uma caixinha de lembrar. E mesmo assim o cinza parece pesado e grande. Vai entender. Você diante de mim, agora, segurando o copo de alma selada. Sem nada falar. Mas, o único mistério, é essa sombra maior que seu corpo projeta na minha existência. E eu fico aqui, apagada, tentando te enxergar sem meu óculos e com o cinza na mente. É noite, fria, gelando a ponta do nariz e doendo no coração. Eu tento decifrar, mas apenas me perco em considerações pessoais. Sobre você, tudo é tão simples que dói. Então, só me resta fantasiar alguma teoria louca, sobre o cinza das nuvens de inverno. Aqueles dias sem fim de frio e pouca cor. Como essa vida que mora atrás do meu olhar. Nessa maldita noite.
Nós nos cumprimentamos assim: sem encontrar o nosso passo, sem encontrar nossos abraços.

07/06/2009

A perdida


Trago com força. Tento assimilar a tarde de ontem. Palavras soltas. Leve ironia. O chão desaparecendo sob os meus pés.
Só mesmo comigo para acontecer uma dessa. Só mesmo com a louquinha que acha que viver bem é entregar - se a tudo que há. Só com quem bate no peito e berra aos cantos, interessados e desinteressados: Just be free. Talvez nunca tivesse me sangrado tanto ser todos os instantes.
Com uma só pancada foi - se lentamente o sorriso, a admiração que nutria por você e, também o estar - se à vontade ao seu lado. Essa pancada tua fez ir embora até a minha auto - estima. E um homem que maltrata uma mulher ao ponto de faze - lá sentir - se menos atraente não merece seguir ileso. Dá pra aceitar um monte de coisa, mas com a auto – estima de uma mulher não se brinca.
Um gole de café amargo. Mais um trago. A folha de papel parece sumir da minha frente. Embriago - me de rancor e fumaça. Neste momento eu trocaria todos os bons segundos que estive junto de você para não ter que me sentir tão poste hoje, agora.
Eu via tanto de herói em você. Enxerguei os olhos ternos bem mais e primeiro do que os ombros largos. Sei que isso é exclusivo do universo feminino. Naturalmente, você não romantizou nem um gesto. Nem uma vez nem outra. A massagem, o cafuné... nada, você não sentimentalizou nada.
Não pense que eu fiz planos, eu não queria de verdade nada duradouro, não pensei no passo de depois. Mas assim não é certo. As máscaras não caem assim tão rápidas, caem? Percebi que a figura heróica só mesmo existiu porque eu rabisquei dando forma, colori o interior e, ainda usei efeito de movimento, dando vida ao personagem.
Só eu mesma pra me perder numa reta.

06/06/2009

Noite fria, chocolate quente


Às três da manhã estou sentado em frente ao computador, e do lado do mouse há uma caneca cheia com chocolate quente até o topo. A colcha de retalho da minha avó ajuda a esquentar meus pés friorentos calçados com meias de lã, dificilmente usadas e que me ajudam a escapar do frio. Meu samba-canção me deixa o mais confortável impossível. O silêncio da casa só é quebrado pelo tec-tec do teclado e pela respiração um pouco fungada do meu irmão que dorme. A cidade está manchada pela neblina densa, que quase nem se vê cidade, é tudo frio. E que frio! Tem uma massa de ar fria aí no país e blábláblá. É mais ou menos isso, nem vi a moça do tempo direito. Mas, nem é o tempo que me importa ali, ele só ajuda a dar aquele aconchego arrepiante. A fumaça do chocolate faz com que meus óculos se embacem e tenho que forçar as vistas pra poder ver o que eu estava escrevendo. Mas, nem precisava, era da Joules que eu escrevia, era também da minha insatisfação com a política corrupta e a miséria mundial. Mas, não foi a mesma coisa de sempre, foi muito fora da rotina, bem exótico e anormal. E pra mim, devia ser o que todos deviam fazer, lógico que não é ter que acordar de madrugada e tomar um chocolate bem quente, mas, sair da rotina, da mesma frase, da mesma música, do mesmo sorriso, da mesma cara para a mesma pessoa. Rola trocar a fita, mudar de pele, atualizar o moicano e o rabo de cavalo. Deixar de usar os uniformes da moda e as coleções de calçados inutilizáveis, apenas consumíveis. Trocar o sertanejo pelo reggae, o funk pelo blues e o MPB pelo street. Eu parei de viver em função do tempo para viver em função do vento, parei de me desgastar reclamando da física “exata” e comecei a evitá-la. Evitei o futuro e esqueci o passado pra viver no presente. Meu atual hobby é sair da rotina, é fazer o que ninguém faz, sofrer do que ninguém sofre e sentir o que ninguém sente. Eu decidi sair da órbita de um planeta pra me deixar levar pela loucura. Sentir a insanidade se apossar da minha sobriedade e minha ética e moral se autodestruírem.