07/05/2009

As coisas como mudam


Eu ainda não sei aonde a gente vai. Se àquele restaurante que serve Orfoff com gelo que você amava tanto ou àquela festinha nos sábados a tarde, como era mesmo o nome? For Friends, isso! Sim, foi há milênios atrás. Só sei que vou estar bem nervosa quando você parar na frente de casa para me apanhar. Vejo você descendo do carro para me dar aquele “oi” mais acalorado das pessoas que não se veem há muito tempo, especialmente aquelas, que já tiveram alguma (boa) intimidade, mas que ficaram por eras afastados um do outro. Já quase me vejo pensando numa gracinha qualquer para quebrar o gelo daquele primeiro beijinho no rosto e daquele abraço demorado - que eu vou interromper para entrar no carro antes de você perceber que meu coração está feito repique de escola de samba. Ainda não sei sobre o que vai ser o começo da nossa conversa.
Se sobre a crise econômica mundial ou sobre o novo filme do Woody Allen.
Mas eu acho que você vai falar mais do que eu. Dessa vez. Porque você é outro, eu sou outra, o presidente dos Estados Unidos é outro, enfim, a vida mudou muito desde aquele último gin-tônica.
Eu acho que tudo que você me disser vai me interessar. Ainda mais depois de meses sem que eu tenha prestado real atenção em alguém - mesmo que tentasse convencer a mim mesma, o tempo todo, que os assuntos deles me interessavam.
Num dado momento, vai até parecer que você quer se abrir, mas que tem medo, e que prefere esperar mais para entrar nos detalhes mais íntimos da sua vida num tempo em que a ela eu não pertencia mais. Certo você! Eu também vou preferir ficar na minha quando o assunto for o meu último relacionamento ou o fato de eu ainda escrever até hoje, sendo que você já mudou até de religião (sim, porque agora, eu descobrirei, você tem uma!).
Eu vou te achar um cara bem mais centrado, melhor resolvido, senhor de si e, bom, senhor de mim, naturalmente. Só que você não vai saber disso. É que eu vou fingir que não estou me derretendo por você, mesmo que, no fundo - e antes da gente ter dançado juntos - o meu sangue esteja correndo sob temperaturas venusianas.
Mas como você é outro, eu sou outra, o presidente dos Estados Unidos é outro, o título que o Santos ganhou é outro, enfim, como a vida mudou muito desde aquele último gin-tônica, eu não vou transparecer essa situação tão pessoal do meu sistema circulatório. E você vai ficar surpreso porque vai me achar tão tranquila e vai pensar que puxa, eu não era assim. Vai se lembrar de que achava até meio charmosinho o fato de que às vezes eu falava tão rápido quanto um locutor de corrida de cavalos. Mas ali, não. Porque eu vou falar devagar. Vou até evitar de dançar músicas mais quentes e que remexem mais, bem sossegada, enquanto você me serve mais um copo de Merlot e dá aquela dançadinha, como é o nome? Rebolation. Sim, algo me diz que depois a gente vai acabar indo tomar aquele milkshake que você adora. E que eu continuei a tomar por todos esses meses.
Se vamos falar do lugar? Só se você puxar a conversa para testar os meus conhecimentos visuais e para me agradar, é claro. Sim, você vai querer me agradar. Especialmente quando começar a achar que eu estou muito na minha para quem não te via há tanto tempo.
Daí o papo fluirá naturalmente para músicas e filmes. É, pensando bem, vai ser inevitável que falemos sobre o novo filme de Woody Allen. Passaremos rapidamente por assuntos Obâmicos, faremos referência à fusão de bancos, à sapatada no George Bush, à guerra na faixa de Gaza, à iminência do fim do mundo em decorrência do funcionamento do Grande Colisor de Hádrons e, é claro, à crise econômica global. Não esquecendo também de falar sobre a derrota do Palmeiras sobre o seu time, Santos, e sobre a derrota do meu time, São Paulo, sob o Corinthians (que por sinal, é o time do garoto que eu gosto, gostar não, gostar é meio ralo, mas não há outra palavra que defina). Aí você vai fazer aquela cara de cachorrinho sem dono e vai querer mais um milkshake.
Quando eu começar a contar sobre o livro que vão me patrocinar p/ escrever, você, sem dizer nada, vai se lembrar de como me achava romântica. Vai se lembrar da primeira carta que fiz pra você numa noite em que - você nem faz idéia - eu tive medo, de tão feliz que me senti. Você vai se lembrar de que, todas as vezes que nos falávamos por telefone, falávamos juntos, nunca dando o timing certo da espera da fala do outro, e que você achava isso irritantemente engraçado.
Mas de repente, enquanto eu estiver articulando as palavras no meio da entorpecimento dos goles de Ovomaltine e da sua presença quase insólita na minha frente, mil perguntas aporrinharão meu cérebro – mesmo eu percebendo que não é a hora para você revelar os tais detalhes íntimos. E eu vou te achar tão perfeito para mim, de novo, que vou começar a pensar: Será que um dia você chegará a me conhecer direito? A verdadeira eu? Essa, que dorme com a cachorra na cama e anda com um livro na bolsa o dia inteiro? Será que algum dia eu vou conhecer seus segredos, aqueles desprezíveis e ordinários? Porque não é possível que você não tenha algum, apesar dessa sua cara de banho. Será que algum dia você chegou a saber quem eu fui de verdade enquanto estávamos meio juntos? Será que estivemos mesmo meio juntos? Será que você precisa saber de alguma coisa minha que já não esteja à mostra? Será que adianta fingir que sabia de alguma coisa? Será que eu quero saber de um outro você que não esse aqui?
Para ser sincera, talvez, hoje, você nem caiba mais na minha vida. Porque sim, foi tudo meio lindo, mas meio triste também, não? Meio abortado. Meio sem começo, sem meio, sem fim. Metade de alguma coisa. E de repente, eu não acredito mais em nada. Não retorno suas mensagens. Justamente porque você é outro, eu sou outra, o presidente dos Estados Unidos é outro e a vida, meu caro, mudou muito desde aquele último gin-tônica.